quarta-feira, 17 de março de 2010

As Aventuras de Poeirinha

Poeirinha é daquelas sujeirinhas que se formam com o vento. Tem um pouco de tudo: poeira que é tirada dos móveis das casas, fios de cabelo que caem ao vento, areia que é trazida da rua, pedaços de unha que são cortadas no quintal, formiguinhas que se perdem.
Ela estava, há alguns dias num entra e sai desenfreado, da casa onde se formou. O vento levava a Poeirinha para dentro e a dona varria a Poeirinha para fora.
Poeirinha já estava cansada de sua rotina, por isso resolveu se aventurar pelo mundo em busca do Lixão, onde poderia – ela acreditava - descansar em paz. Então, aproveitou o vento favorável do dia para ir em busca do que queria.
Eu, narrador dessa história, desconfio que não vai ser uma caminhada fácil da Poeirinha para chegar onde quer.
Ela saiu do quintal da casa onde vivia, alcançou a calçada e logo levou um susto: quase foi pisoteada por algumas pessoas e papéis de bala surgiram, não se sabe de onde, e acabaram se juntando à Poeirinha:
- Assim não dá, estou ficando muito pesada.
Então pediu ao vento que a levasse com um pouco mais de agilidade, para que não se cansasse tanto e, também, para que pudesse fugir dos perigos que aparecessem.
Da calçada muito movimentada, resolveu ir para a rua, assim não seria pisoteada. Mas não se lembrou dos milhares de carros que andam todos os dias, num vai e volta incansável pelas ruas da cidade. Desviou de um caminhãozinho, de uma kombi, de três motos que vieram buzinando e de um caminhão enorme. Ufa!
- O que eu fiz? Por que saí de lá? - pensou Poeirinha.
Mais pesada devido à poluição dos veículos mais o papel de bala que ainda estava grudado nela, Poeirinha, cansada, foi para a guia e pediu para o vento ir devagarinho para que ela pudesse descansar um pouco e pensar em como fazer para chegar no seu destino: Lixão.
Na guia, se deparou com uma saída: o bueiro. Ótima idéia! Assim fugiria das pessoas, dos veículos e dos parasitas que queriam aproveitar a carona.
Lá embaixo, no bueiro, estava escuro e movimentado também, para a surpresa de Poeirinha. Ela não conseguia andar sem tropeçar nas sujeiras que havia lá. Eram garrafas “pet”, copos descartáveis, bitucas de cigarros que subiam em suas costas gozando da sua cara, palitos de dente aproveitaram a carona, palitos de sorvete passaram rasteira, saquinhos de salgadinho tamparam-lhe a passagem, latinhas de refrigerante e cerveja dançavam em sua frente... uma loucura!
Mas logo foi salva daquilo tudo, porém, não do melhor jeito. Provavelmente começara a chover lá fora, pois, agora, no bueiro, todos estavam boiando. Agora, já não riam mais dela, e sim estavam com cara de preocupados. Pelo jeito a tranquilidade deles tinha acabado por algum tempo. A água foi subindo e levando todos com ela. Logo Poeirinha pôde ver a luz do dia, em seguida, se viu na rua novamente.
Mais loucura à vista! As pessoas corriam apressadas, a chuva caía pesada, alguns carros estacionavam, outros aceleravam. Logo a rua estava coberta por água e por toda a sujeira que a água trouxe de todos os bueiros da cidade.
Poeirinha, vendo a cena, ficou muito triste e tomou uma decisão. Com firmeza mandou que as bitucas de cigarro, palitos de dente e papéis de bala saíssem de seus ombros, falou com o vento seu amigo, e pediu que a levasse devagar para um lugar.
Foi mais uma longa caminhada, quer dizer, “nadada”, já que estava tudo alagado. E, logo se viu em frente ao local. Decidida, entrou. No térreo não havia ninguém, além da água e seus companheiros de bueiro. Chegou nas escadas e com uma pequena ajuda de uma latinha de cerveja e do vento, subiu os andares procurando o que queria. Foi no terceiro andar que achou. Um programa de grande audiência estava sendo transmitido ao vivo. Poeirinha foi em frente à apresentadora, cutucou seu pé. A apresentadora olhou para baixo e não viu nada além de uma poeira feia perto do seu pé e que não deveria estar lá. Chamou os comerciais. Fora do ar, a apresentadora reclamou com seu diretor que seu cenário não poderia estar sujo quando estivesse ao vivo. Eles teriam que limpar muito bem antes que voltasse dos comerciais.
O pessoal da limpeza veio correndo para limpar. Quando a vassoura estava perto de Poeirinha, esta juntou todas as suas forças e gritou:
- Nnnnããããooooo!
Todos arregalaram seus olhos e procuraram de onde viera aquele grito.
Poeirinha aproveitou esse momento para dizer, inconformada:
- Foi muito difícil chegar e por isso não vou deixar que me varram. Vim até aqui para aparecer ao vivo e dizer a todos o que eu vivi hoje.
Todos da emissora, antes incrédulos, agora, resolveram ouvir Poeirinha.
- Meu nome é Poeirinha. Saí de casa porque estava cansada de minha rotina de ser varrida para fora da casa. Todos os dias eu entrava com o vento, e a dona me varria para fora. Meu destino era o lixão, mas não pude chegar lá. No caminho fui pisoteada, atropelada, sujeiras subiram em meus ombros para pegar carona, fui para o bueiro achando que seria um caminho mais tranquilo, mas lá embaixo estava cheio de lixo, recicláveis ou não, todos zombando de mim, me atrapalhando o caminho. Mais deles subiram em meu ombro. Foi quando começou a chover. A água nos levou de volta para a rua, que logo alagou e então eu vi monte de sujeira boiando, pessoas fugindo, carros sendo levados, casas sendo alagadas e fiquei tão indignada que pedi ao meu amigo vento que me trouxesse até aqui para fazer um apelo. Eu só queria chegar ao lixão para poder descansar em paz!
Todos ficaram admirados e resolveram colocar essa história no ar, porém a apresentadora que contaria, já que perderiam créditos diante dos seus espectadores se colocassem uma poeira no ar para protestar. Sua história foi contada ao vivo como um apelo à velha história de que lugar do lixo é no lixo, de que é preciso juntar lixos recicláveis, de que não podemos jogar sujeiras na rua porque entopem bueiros e de que tudo isso só ajudaria a todos viver em um mundo melhor.
Mas nós já sabemos disso, não é?

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